O chamado contrato de gaveta é uma prática comum, mas arriscada, no mercado imobiliário brasileiro. Trata-se de um acordo informal de compra e venda de um imóvel que, embora seja celebrado entre comprador e vendedor, não é registrado oficialmente no cartório de registro de imóveis.
Mesmo sendo juridicamente válido entre as partes que o assinam, esse tipo de contrato não garante ao comprador a propriedade legal do bem, o que pode gerar sérios problemas no futuro, como perda do imóvel, impossibilidade de regularização ou até disputa judicial com herdeiros ou terceiros.
Como funciona o contrato de gaveta?
Na prática, um contrato de gaveta acontece quando:
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Um imóvel é negociado diretamente entre duas partes, sem que a transferência seja registrada oficialmente;
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Muitas vezes é utilizado para venda de imóveis financiados, nos quais o novo comprador passa a pagar as parcelas diretamente ao banco, mas o contrato continua em nome do comprador original;
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É usado também para “reservar” um imóvel entre conhecidos ou parentes, enquanto se aguarda o pagamento total ou a documentação definitiva.
Apesar de informal, o contrato costuma conter cláusulas como: valor do imóvel, condições de pagamento, prazo, obrigações e assinatura das partes. Contudo, não tem valor de escritura pública e, por isso, não transfere a propriedade de forma legal.
Por que as pessoas ainda utilizam contratos de gaveta?
Mesmo sendo arriscado, esse tipo de contrato ainda é comum por:
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Falta de recursos para arcar com ITBI e taxas cartorárias;
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Tentativa de evitar burocracias e exigências de crédito;
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Confiança pessoal entre as partes envolvidas (familiares, amigos, sócios);
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Compra de imóveis com pendências judiciais, fiscais ou de financiamento;
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Pressa na negociação, antes que a documentação esteja completa.
Mas, como veremos a seguir, a economia ou agilidade obtida no curto prazo pode sair muito mais cara no futuro.
Quais os principais riscos do contrato de gaveta?
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Ausência de propriedade legal
Mesmo que o comprador esteja morando no imóvel e pagando as parcelas, ele não é considerado o dono perante a lei, já que a matrícula permanece em nome do antigo proprietário. -
Venda ou penhora indevida
O proprietário legal (que consta na matrícula) pode vender o imóvel a terceiros, ser executado por dívidas ou sofrer penhora judicial, e o comprador de gaveta não terá respaldo legal para evitar isso. -
Dificuldade de financiamento ou revenda
Sem a regularização, o imóvel não pode ser usado como garantia, nem financiado, nem vendido de forma formal — o que reduz drasticamente sua liquidez no mercado. -
Complicações com herança e sucessão
Se o vendedor falecer antes da regularização, o imóvel entra no inventário e poderá ser transferido a herdeiros, mesmo que o comprador de gaveta esteja quitando o bem há anos. -
Falta de acesso a programas e benefícios legais
Imóveis não regularizados não podem ser incluídos em programas de habitação, incentivos fiscais ou ações de valorização urbana.
O contrato de gaveta é ilegal?
Não. Ele não é ilegal, mas é juridicamente frágil. Trata-se de um contrato particular válido entre as partes, mas sem força para transferir a propriedade do imóvel. Em disputas judiciais, o contrato pode servir como prova de intenção de compra, mas não substitui escritura pública nem registro.
Como regularizar um contrato de gaveta?
Se você possui um contrato de gaveta e deseja regularizar seu imóvel, siga estes passos:
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Quitar o imóvel, se ainda estiver financiado – é necessário estar com o bem 100% pago;
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Solicitar ao vendedor a escritura pública de compra e venda;
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Pagar o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) no município onde o imóvel está localizado;
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Registrar a escritura no Cartório de Registro de Imóveis, para que o imóvel seja transferido legalmente ao seu nome.
Caso o vendedor tenha falecido ou haja outras pendências, será necessário entrar com ação judicial de usucapião ou adjudicação compulsória — processos longos e custosos.
É possível evitar esses problemas?
Sim. O ideal é formalizar sempre a compra de um imóvel com escritura pública e registro no cartório. Mesmo que o processo envolva mais burocracia e custos, ele garante:
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Propriedade legal reconhecida;
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Proteção contra terceiros;
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Facilidade de revenda e financiamento;
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Regularidade perante órgãos públicos.
Para quem ainda pretende comprar um imóvel em parcelas sem passar por banco, considere formalizar um contrato de compromisso de compra e venda com registro no cartório de títulos e documentos, até que se possa lavrar a escritura definitiva.
Conclusão
O contrato de gaveta pode parecer uma solução prática e rápida, mas esconde riscos sérios de perda do imóvel, litígios e prejuízos financeiros. Em um mercado onde a segurança jurídica é essencial, regularizar a compra é a melhor forma de proteger seu patrimônio.
Corretores e imobiliárias têm papel importante ao orientar seus clientes sobre os riscos dessa prática, ajudando na conscientização e na busca por soluções legalmente seguras.
Referências:
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EXAME. O que é um contrato de gaveta?
https://exame.com/mercado-imobiliario/o-que-e-um-contrato-de-gaveta/ -
Código Civil Brasileiro – Art. 108 e seguintes
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CNB/SP – Colégio Notarial do Brasil
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Receita Federal e cartórios de registro de imóveis